sábado, 22 de janeiro de 2005

Sobre o não saber

Ele era um menino quieto, o que era um alívio para os adultos em volta…
Alívio?

Aos cinco anos, sua professora de jardim pediu aos alunos que fizessem um desenho de alguma coisa que eles amavam.
E ele, silenciosamente, desenhou a sua família.
Depois, traçou um grande círculo com lápis vermelho ao redor das figuras.
Ele olhou, olhou… Acima do círculo, ele queria escrever algo importante… mas ele ainda não sabia escrever.
Então, ele saiu de sua mesinha e foi até à mesa da professora.
"Professora, como a gente escreve…?"
Ela não o deixou concluir a pergunta. Mandou-o voltar para o seu lugar e não se atrever mais a interromper a aula.
Ele dobrou o papel e o guardou no bolso.

Quando voltou para casa, naquele dia, ele se lembrou do desenho e o tirou do bolso.
Alisou-o bem sobre a mesa da cozinha, foi até sua mochila, pegou um lápis e olhou para o grande círculo vermelho.
Sua mãe estava preparando o jantar, indo e vindo do fogão para a pia, para a mesa.
Ele queria terminar o desenho antes de mostrá-lo para ela.
"Mamãe, como a gente escreve…?"
"Menino, não dá para ver que estou ocupada agora? Vá brincar lá fora. E não bata a porta."
Ele dobrou o desenho e o guardou no bolso.

Naquela noite, ele tirou outra vez o desenho do bolso.
Olhou para o grande círculo vermelho, foi até à cozinha e pegou o lápis.
Ele queria terminar o desenho antes de mostrá-lo para seu pai.
Alisou bem as dobras e colocou o desenho no chão da sala, perto da poltrona reclinável do seu pai.
"Papai, como a gente escreve…?"
"Ei, estou lendo o jornal e não quero ser interrompido. Vá brincar lá fora. E não bata a porta."
O garoto dobrou o desenho e o guardou no bolso.

No dia seguinte, quando sua mãe separava a roupa para lavar, encontrou no bolso da calça do filho enrolados num papel, uma pedrinha, um pedaço de barbante e duas bolinhas de gude.
Todos os tesouros que ele catara enquanto brincava fora de casa.
Ela nem abriu o papel. Atirou tudo no lixo.

Os anos rolaram…
Quando aquele menino já tinha 28 anos, sua filha de cinco anos fez um desenho.
Era o desenho de sua família. O pai riu quando ela apontou uma figura alta, de forma indefinida e disse:
"Este aqui é você, papai!"
A garotinha também riu.
O pai olhou pra o grande círculo vermelho feito por sua filha, ao redor das figuras e lentamente começou a passar o dedo sobre o círculo.
Ela desceu rapidamente do colo do pai e avisou: "eu volto logo!"
E voltou. Com um lápis na mão. Acomodou-se outra vez nos joelhos do pai, posicionou a ponta do lápis perto do topo do grande círculo vermelho e perguntou:
"Papai, como a gente escreve...

...amor?"

Ele abraçou a filha, tomou a sua mãozinha e a foi conduzindo, devagar, ajudando-a a formar as letras, enquanto dizia:
"Amor, querida, amor se escreve com as letras

T E M P O."

Quanto tempo leva para descobrirmos o tempo perdido? O amor desperdiçado?

Quanto tempo quietos dobrando mil vezes o mesmo desenho, procurando saber…

Há os que gritam, incomodam… a ânsia de saber é a mesma…

E os silenciosos?

O tempo é questão de escolha…

Todas as brisas… todo o tempo!
Carla

Baseado no capítulo Círculo de amor, de Jeannie S. Williams, do livro Histórias para o coração da mulher, de Alice Gray, Editora United Press, 2002.
# Soprado aos quatro ventos pela Brisa | Sopre seus ventos (0)

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