quarta-feira, 12 de abril de 2017

Sobre casas e coisas...

Queridos amigos,

Volto a escrever e compartilhar...
Há alguns dias tenho lembrado um poema de Rabindranath Tagore... 
Recebe o número 46 da parte intitulada Místicas, do livro Filigranas de Luz... 
Tenho uma edição bem antiga, de 1965, do Grupo Editorial Spiritvs. 
Espero que gostem!  
 
"Aqui está, Amigo, minha casa vazia e meu cheio coração: é o quanto resta, após a tempestade da véspera. 
Durante muito tempo, reuni objetos que a convenção valorizou, e de ornamentos inundei o lar, fazendo-o deslumbrante e belo. 
Muitas vezes desejei deter o sol triunfante, para que minhas águas se doirassem ao seu beijo, quando seus raios desciam a mirar-se no lago do meu quintal. Todavia, fagueiro ele corria pelo céu e, ocultando-se, fazia-me chorar de emoção ao vê-lo emoldurando nuvens brincalhonas.
Vezes outras, roguei à pálida virgem da noite descesse seus cabelos de prata, e os umedecesse no orvalho guardado nas pétalas do meu roseiral. No entanto, ei-la no lago, a deslizar nas águas paradas, despedaçando-se sob as rodas do carro do vento. 
Às aves do arvoredo, supliquei sempre cantassem à janela do meu quarto, despertando-me com o gorjeio das suas vozes canoras. Mas, quando as tive perto, no peitoril da janela, tornei-me ladrão, roubando-lhes a liberdade, para sempre as ouvir cantar... e, daí por diante, sempre estiveram a chorar a perda do céu sem fim e do arvoredo musical, que a brisa oscula e a noite acalenta. 
Tudo quis: nada tive. 
Quando, porém, a dor de muitos chorou à minha porta, qual tempestade de desesperos, dei todos os objetos, ornamentos e valores que a humana condição venera... 
E libertei-me da rapina, libertando as aves. 
A dor dos estranhos me falou tanto, que me fiz mendigo, rico que fui, para dar. 
E agora que chegas, Amigo, tu a quem amo... Somente posso oferecer-te minha casa vazia e meu cheio coração, eu que antes era dono de uma casa cheia e de um vazio coração."
 
Com carinho,  em brisas perfumadas,

Carla