domingo, 27 de fevereiro de 2005

Três dias para ver...


Achei alguns textos antigos do blog...
Essa é uma republicação de uma mensagem de 27.02.2005!

Queridos,

o texto a seguir é um artigo de Helen Keller (1880-1968), publicado há mais de 70 anos no Reader’s Digest-Seleções.
Nesses tempos de internet, onde tudo se vê por uma tela, me peguei pensando se não estamos igualmente cegos em relação ao mundo, às pessoas, à vida... Vendo tanto e vendo nada!
Além de todo lirismo, delicadeza de sua alma, Helen traz aquelas verdades atemporais que todos nós precisamos ouvir de vez em quando...

Será que estamos usando bem os dons de que dispomos?
O que você vê aí, em volta de você?

"Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias, no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som.

De vez em quando, testo meus amigos que enxergam para descobrir o que eles vêem. Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo passeio pelo bosque o que ela observara. "Nada de especial", foi à resposta.

Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tato encontro centenas de objetos que me interessam. Sinto a delicada simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca lisa de uma bétula ou pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos das árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natureza despertando após o sono do inverno. Por vezes, quando tenho muita sorte, pouso suavemente a mão numa arvorezinha e sinto o palpitar feliz de um pássaro cantando.

Às vezes meu coração anseia por ver tudo isso. Se consigo ter tanto prazer com um simples toque, quanta beleza poderia ser revelada pela visão! E imaginei o que mais gostaria de ver se pudesse enxergar, digamos, por apenas três dias.

Eu dividiria esse período em três partes. No primeiro dia, gostaria de ver as pessoas cuja bondade e companhias fizeram minha vida valer a pena. Não sei o que é olhar dentro do coração de um amigo pelas "janelas da alma", os olhos. Só consigo "ver" as linhas de um rosto por meio das pontas dos dedos. Posso perceber o riso, a tristeza e muitas outras emoções. Conheço meus amigos pelo que toco em seus rostos.

Como deve ser mais fácil e muito mais satisfatório para você, que pode ver, perceber num instante as qualidades essenciais de outra pessoa ao observar as sutilezas de sua expressão, o tremor de um músculo, a agitação das mãos. Mas será que já lhe ocorreu usar a visão para perscrutar a natureza íntima de um amigo? Será que a maioria de vocês que enxergam não se limita a ver por alto as feições externas de uma fisionomia e se dar por satisfeita?

Por exemplo, você seria capaz de descrever com precisão o rosto de cinco bons amigos? Como experiência, perguntei a alguns maridos qual a exata cor dos olhos de suas mulheres e muitos deles confessaram, encabulados, que não sabiam.
Ah, tudo que eu veria se tivesse o dom da visão por apenas três dias!

O primeiro dia seria muito ocupado. Eu reuniria todos os meus amigos queridos e olharia seus rostos por muito tempo, imprimindo em minha mente as provas exteriores da beleza que existe dentro deles. Também fixaria os olhos no rosto de um bebê, para poder ter a visão da beleza ansiosa e inocente que precede a consciência individual dos conflitos que a vida apresenta. Gostaria de ver os livros que já foram lidos para mim e que me revelaram os meandros mais profundos da vida humana. E gostaria de olhar nos olhos fiéis e confiantes de meus cães, o pequeno scottie terrier e o vigoroso dinamarquês.
À tarde daria um longo passeio pela floresta, intoxicando meus olhos com belezas da natureza. E rezaria pela glória de um pôr-do-sol colorido. Creio que nessa noite não conseguiria dormir.

No dia seguinte eu me levantaria ao amanhecer para assistir ao empolgante milagre da noite se transformando em dia. Contemplaria assombrado o magnífico panorama de luz com que o Sol desperta a Terra adormecida.
Esse dia eu dedicaria a uma breve visão do mundo, passado e presente. Como gostaria de ver o desfile do progresso do homem, visitaria os museus. Ali meus olhos, veriam a história condensada da Terra - os animais e as raças dos homens em seu ambiente natural; gigantescas carcaças de dinossauros e mastodontes que vagavam pelo planeta antes da chegada do homem, que, com sua baixa estatura e seu cérebro poderoso, dominaria o reino animal.

Minha parada seguinte seria o Museu de Artes. Conheço bem, pelas minhas mãos, os deuses e as deusas esculpidos da antiga terra do Nilo. Já senti pelo tato as cópias dos frisos do Paternon e a beleza rítmica do ataque dos guerreiros atenienses. As feições nodosas e barbadas de Homero me são caras, pois também ele conheceu a cegueira.

Assim, nesse meu segundo dia, tentaria sondar a alma do homem por meio de sua arte. Veria então o que conheci pelo tato. Mais maravilhoso ainda, todo o magnífico mundo da pintura me seria apresentado. Mas eu poderia ter apenas uma impressão superficial. Dizem os pintores que, para se apreciar a arte, real e profundamente, é preciso educar o olhar. É preciso, pela experiência, avaliar o mérito das linhas, da composição, da forma e da cor. Se eu tivesse a visão, ficaria muito feliz por me entregar a um estudo tão fascinante.

À noite de meu segundo dia seria passada no teatro ou no cinema. Como gostaria de ver a figura fascinante de Hamlet ou o tempestuoso Falstaff no colorido cenário elisabetano! Não posso desfrutar da beleza do movimento rítmico senão numa esfera restrita ao toque de minhas mãos. Só posso imaginar vagamente a graça de uma bailarina, como Pavlova, embora conheça algo do prazer do ritmo, pois muitas vezes sinto o compasso da música vibrando através do piso. Imagino que o movimento cadenciado seja um dos espetáculos mais agradáveis do mundo. Entendi algo sobre isso, deslizando os dedos pelas linhas de um mármore esculpido; se essa graça estática pode ser tão encantadora, deve ser mesmo muito mais forte a emoção de ver a graça em movimento.

Na manhã seguinte, ávida por conhecer novos deleites, novas revelações de beleza, mais uma vez receberia a aurora. Hoje, o terceiro dia, passarei no mundo do trabalho, nos ambientes dos homens que tratam do negócio da vida. A cidade é o meu destino.

Primeiro, paro numa esquina movimentada, apenas olhando para as pessoas, tentando, por sua aparência, entender algo sobre seu dia-a-dia. Vejo sorrisos e fico feliz. Vejo uma séria determinação e me orgulho. Vejo o sofrimento e me compadeço.

Caminhando pela 5ª Avenida, em Nova York, deixo meu olhar vagar, sem se fixar em nenhum objeto em especial, vendo apenas um caleidoscópio fervilhando de cores. Tenho certeza de que o colorido dos vestidos das mulheres movendo-se na multidão deve ser uma cena espetacular, da qual eu nunca me cansaria. Mas talvez, se pudesse enxergar, eu seria como a maioria das mulheres – interessadas demais na moda para dar atenção ao esplendor das cores em meio à massa.

Da 5ª Avenida dou um giro pela cidade – vou aos bairros pobres, às fábricas, aos parques onde as crianças brincam. Viajo pelo mundo visitando os bairros estrangeiros. E meus olhos estão sempre bem abertos tanto para as cenas de felicidade quanto para as de tristeza, de modo que eu possa descobrir como as pessoas vivem e trabalham, e compreendê-las melhor.

Meu terceiro dia de visão está chegando ao fim. Talvez haja muitas atividades a que devesse dedicar as poucas horas restantes, mas acho que na noite desse último dia vou voltar depressa a um teatro e ver uma peça cômica, para poder apreciar as implicações da comédia no espírito humano.

À meia-noite, uma escuridão permanente outra vez se cerraria sobre mim. Claro, nesses três curtos dias eu não teria visto tudo que queria ver. Só quando as trevas descessem de novo é que me daria conta do quanto eu deixei de apreciar.

Talvez este resumo não se adapte ao programa que você faria se soubesse que estava prestes a perder a visão. Mas sei que, se encarasse esse destino, usaria seus olhos como nunca usara antes. Tudo quanto visse lhe pareceria novo. Seus olhos tocariam e abraçariam cada objeto que surgisse em seu campo visual. Então, finalmente, você veria de verdade, e um novo mundo de beleza se abriria para você.

Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos. Ouça a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem ficar surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tato. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã não mais sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos; goze de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários meios de contacto fornecidos pela natureza. Mas, de todos os sentidos, estou certa de que a visão deve ser o mais delicioso."

Doces visões para todos!
Suaves brisas...

Carla
# Soprado aos quatro ventos pela Brisa | Agora já é ventania... (3)
Eu acho que nosso maior mal é ficar chorando o que perdemos sem tentar aproveitar o que ainda nos resta. Beijo!
Bisa Maith | Homepage | 01.03.05 - 2:32 pm | #

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 Parabéns pelo magnífico texto!
realmente a vida passa fazendo um alrde enorme e não conseguimos ouvir,qto mais ver a explosão de vida que acontece todos os dias!Amei ter estado aqui depois de muito tempo.Um beijo lindinha e que sua semana seja cheia de cores e amores.
Patricia | Homepage | 28.02.05 - 1:26 pm | #

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 Emocionou-me esse texto e fico aqui pensando: qto de tudo isso q foi relatado nós deixamos passar em branco? Ou por falta de tempo, ou por termos prioridades inadiaveis...e o tempo passa e qdo percebemos, estamos cegos. Cegos do coração...Bjos e muito obrigada por mais essa lição!
Lakota | Homepage | 28.02.05 - 1:12 pm | #


domingo, 20 de fevereiro de 2005

Aniversário de um ano!!!

Queridos!!!

Então, dia 21 de fevereiro este blog fará um ano.
Tudo nasceu de uma das muitas conversas com Wagner, em que eu, plenamente analfabeta sobre essas coisas de informática, pedi: um dia me ensina a fazer um blog?
Poucos minutos depois surgia o Pensamentos da Brisa.

Um ano depois, posso dizer que aqui escrevi revelando-me, outras vezes escrevi instruindo-me, diversas vezes escrevi aliviando-me e se feri alguém com palavras não tão gentis, peço desculpas.

Aqui pude encontrar os tais "contatos", alguns dos quais se tornaram amigos.
Gente que nunca vi, gente que tenho intenção de encontrar, gente que de alguma forma recebe meu carinho, como recebo o deles também.

Enganei-me muitas vezes achando que as pessoas para as quais a gente mais se desdobrava, seriam pródigas da mesma atenção; como pessoas que não cuidava com tanto zelo, e que me foram essenciais, diria imprescindíveis, em momentos difíceis desse ano findo.

O objetivo do blog, no entanto, foi levar, com palavras, o que eu levaria, com olhares e carinhos, se estivesse pertinho de ti: um alento, um refrigério, uma pequena pausa, um incentivo, um sorriso de reflexão, uma nova esperança.
Foi e continua sendo.
Sem pretensão de resolver problema algum, nem de ministrar lição a quem quer que seja, mas dar tempo a que tu descubras a sabedoria imensa, toda força que existe dentro de ti.

Mantive-me fiel a esse objetivo? Não!!! Muitas vezes as palavras aqui ditas eram um enorme pedido de socorro para mim. :)

Tudo bem, também preciso de incentivo e refrigério, e os comentários, de vocês para mim, hão de ter sido úteis, não só para mim, mas para outros visitantes, quem sabe atravessando as mesmas estradas... Por isso falem sempre!

E, para dar algo de substancioso a essa prosa, vou transcrever aqui a passagem de um livro que há muito desejava ler e só agora tenho em mãos. Sobre o livro, por enquanto posso dizer que conheci-o através da biografia de personalidades que admiro e que ele foi escrito em plena Idade Média, de um monge para outros monges.

Eis então as palavras que têm sido minha meditação desses dias:

"Não se há de ter grande confiança no homem frágil e mortal, por mais que nos seja caro e útil; nem nos devemos afligir com excessos, porque, de vez em quando, ele nos contraria com palavras ou obras.
Os que hoje estão contigo, amanhã talvez sejam contra ti, e reciprocamente, pois que os homens mudam como o vento.
(...)
Todas passam, e tu igualmente passas com elas; toma cuidado para não te apegares a elas, a fim de que não te escravizem e te percam."

Tomás de Kempis (1380-1471), in Imitação de Cristo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2005

Fotos de feriado

Hoje, se pudesse, só publicaria imagens...
Imagens que foram pouco a pouco captadas ao longo do dia como fotografias

O sol filtrado pela cortina do quarto de manhã
O biquini vermelho usado pela primeira vez
A rua deserta, quase, só vento nas árvores
O caminho do Alto, curvas verdes de folhagens debruçadas
As cascatinhas plenas de água jorrando, por causa das chuvas de antes
O filete escuro qual sangue escorrendo pela testa e nariz da Pedra da Gávea
Os avisos de área de risco nas encostas úmidas
O sol pleno na expectativa do som das ondas quebrando longe por detrás das montanhas
As pessoas todas chegando!
E com as pessoas, os sorrisos, apetrechos, alegrias a serem vividas
A vaga encontrada com o guardador de chapéu branco
A sandália trocada pelos chinelos
A areia redescoberta, pequenas pedrinhas transparentes e translúcidas,
Todas suavemente arredondadas
Conchas em profusão
A plaquinha vermelha dizendo algo que a miopia não conseguiu desvendar
Salva-vidas por perto
Helicóptero e surfistas
E o mar, todo ele, ondas abruptas, maiores que eu!
O mar, todo ele, um poço de lágrimas
Cabelos sacudidos ao vento... cheio de areia! :)
A brisa respingada de água do mar, soprada constantemente...
Sal sobre a pele
A Pedra da Gávea, agora seca e plena, contrastando escura o céu azul
O tempo, o vento, o sol...
A mão na janela a sentir a velocidade do carro
O desgaste arredondado das areias da praia ainda em meus cabelos
A rosa vermelha desabrochando hoje em minha janela
A certeza infinita de que tudo passa
Tudo passa...

Brisas perfumadas de sal e luz!
Carla

# Soprado aos quatro ventos pela Brisa | Um vento soprado... (1)
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De sopros a ventanias...

 Obrigado !!!!!

Por este porto seguro de inteligência, vida e bons ares !!!

Te encontrei depois de uma navegada solitária de blog em blog sempre encontrando as maiores nulidades possíveis.

Você me trouxe os climas de que precisava, as cores que eu gosto os perfumes que procuro.

Obrigado por existir !

Continue assim.
Paulo | 28.03.05 - 1:23 am | #